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Olá, amigos, aqui estão alguns exertos  do conto A cidade e as serras.  

 

Página 41

"...Claro é portantoque nos devemos cercar da civilização nas maximas proporções para gozar nas maximas proporções a vantagem de viver.Agora concordas Zé Fernandes?"

 

Página 42 e 43

"...Por uma conclusão bem natural, a ideia de Civilização, para Jacinto, não se separava da imagem de Cidade, de uma enorme Cidade, com todos os seus vastos órgãos funcionando poderosamente."

 

"...— Aí tens tu, o fonógrafo!... Só o fonógrafo, Zé Fernandes, me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante e me separa do bicho. Acredita, não há senão a Cidade, Zé Fernandes, não há senão a Cidade!"

 

Página 44

"... Logo que se afastava dos pavimentos de madeira, do macadame, qualquer chão que os seus pés calcassem o enchia de desconfiança e terror."

 

Página 45

"...Todo o seu fato, as espessas gravatas de cetim escuro que uma pérola prendia, as luvas de anta branca, o verniz das botas, vinham de Londres em caixotes de cedro; e usava sempre ao peito uma flor, não natural, mas composta destramente pela sua ramalheteira com pétalas de flores dessemelhantes, cravo, azálea, orquídea ou túlipa, fundidas na mesma haste entre uma leve folhagem de funcho."

 

Página 46

"...Para Guiães!... Oh Zé Fernandes, que horror! E toda essa semana me lembrou solicitamente confortos de que eu me deveria prover para que pudesse conservar, nos ermos silvestres, tão longe da Cidade, uma pouca de alma dentro de um pouco de corpo. «Leva uma poltrona! Leva a Enciclopédia Geral! Leva caixas de aspáragos!..."

 

QUEIRÓS, Eça de - A Cidade e as Serras. Porto: Porto Editora, 2014

 

Grupo de: Iara Vieira, Carolina Ferreira, Tatiana Silva, Carolina Mendes e José Cardoso

 

 

publicado às 22:54

Olá, amigos aqui vão mais alguns excertos da página 39 e 40 do livro "A Cidade e as Serras" de Eça de Queiroz.

 

Pág.39

linha 23 a 32 

 

"(...) Jacinto arrochava o nó da gravata branca-quando no lavatório, ou porque se rompesse o tubo, ou se dessoldasse a torneira, o jato de água a ferver rebentou furiosamente, fumegando e silvando. Uma névoa densa de vapor quente abafou as luzes- e, perdidos nela ,sentíamos, por entre gritos do escudeiro e do Grilo, o jorro devastador batendo os murros, esparrinhando uma chuva que escaldava. Sob os pés o tapete ensopado era uma lama ardente. E como se todas as forças da Natureza, subtidas ao serviço de Jacinto, se agitassem, animadas por aquela rebelião da água(...)"

 

Pág.40

linhas 1 a 3

 

"(...) - ouvimos roncos surdos no interior das paredes, e pelos fios dos lumes elétricos sulcaram faíscas ameaçadoras! Eu fugira para o corredor, onde se alargava a névoa grossa." 

 

QUEIRÓS, Eça de - A Cidade e as Serras. Porto: Porto Editora, 2014.

 

Beijinhos,

Joana Rodrigues 

 

 

 

publicado às 20:24

Olá, amigos aqui vão mais alguns excertos da Civilização.

 

“ (…) instrumentos para cortar papel, numerar páginas, colar estampilhas, aguçar lápis, raspar emendas, imprimir datas, derreter lacre, cintar documentos, carimbar contas! Uns de níquel, outros de aço, rebrilhantes e frios, todos eram de um manejo laborioso e lento: alguns, com as molas rígidas, as pontas vivas, brilhavam e feriam: e nas largas folhas de papel Whatman em que ele escrevia, e que custavam quinhentos réis, eu por vezes surpreendi gotas de sangue do meu amigo.”.

 

“ (…) os grandes aparelhos, facilitadores do pensamento — a máquina de escrever, os autocopistas, o telégrafo Morse, o fonógrafo, o telefone, o teatrofone, outros ainda, todos com metais luzidios, todos com longos fios. Constantemente sons curtos e secos retiniam no ar morno daquele santuário. Tique, tique, tique! Dlim, dlim, dlim! Craque, craque, craque! Trrre, Trrre, Trrre!... Era o meu amigo comunicando.”.

 

“Era doloroso testemunhar o fastio com que ele, para apontar um endereço, tomava o seu lápis pneumático, a sua pena elétrica — ou, para avisar o cocheiro, apanhava o tubo telefónico!...”.

 

“Na trompa do fonógrafo, torta, esbeiçada, para sempre muda, fervilhavam carochas. E ali jaziam, tão lamentáveis e grotescas, aquelas geniais invenções, que eu saí rindo, como de uma enorme facécia, daquele supercivilizado palácio.

A chuva de Abril secara: os telhados remotos da cidade negrejavam sobre um poente de carmesim e ouro. E, através das ruas mais frescas, eu ia pensando que este nosso magnífico século XIX se assemelharia um dia àquele Jasmineiro abandonado, e que os outros homens, com uma certeza mais pura do que é a Vida e a Felicidade, dariam como eu com o pé no lixo da supercivilização, e, como eu, ririam alegremente da grande ilusão que findara, inútil e coberta de ferrugem.

Àquela hora, decerto, Jacinto, na varanda em Torges, sem fonógrafo e sem telefone, reentrado na simplicidade, via, sob a paz lenta da tarde, ao tremeluzir da primeira estrela, a boiada recolher entre o canto dos boiadeiros.”.

 

QUEIRÓS, Eça de - Civilização. Porto:Luso Livros, 2014.

 

Ana Beatriz Costa, Ana Margarida Mendes, Beatriz Monteiro, Leonor Santos e Mariana Queiroz

publicado às 13:11

“ (…) instrumentos para cortar papel, numerar páginas, colar estampilhas, aguçar lápis, raspar emendas, imprimir datas, derreter lacre, cintar documentos, carimbar contas! Uns de níquel, outros de aço, rebrilhantes e frios, todos eram de um manejo laborioso e lento: alguns, com as molas rígidas, as pontas vivas, brilhavam e feriam: e nas largas folhas de papel Whatman em que ele escrevia, e que custavam quinhentos réis, eu por vezes surpreendi gotas de sangue do meu amigo.”.

 

“ (…) os grandes aparelhos, facilitadores do pensamento — a máquina de escrever, os autocopistas, o telégrafo Morse, o fonógrafo, o telefone, o teatrofone, outros ainda, todos com metais luzidios, todos com longos fios. Constantemente sons curtos e secos retiniam no ar morno daquele santuário. Tique, tique, tique! Dlim, dlim, dlim! Craque, craque, craque! Trrre, Trrre, Trrre!... Era o meu amigo comunicando.”.

publicado às 13:10

Olá, amigos aqui vão mais alguns excertos do conto Civilização.

 

“ E a cada talher correspondiam seis garfos, todos de feitios dissemelhantes e astuciosos — um para as ostras, outro para o peixe, outro para as carnes, outro para os legumes, outro para a fruta, outro para o queijo. Os copos, pela diversidade dos contornos e das cores, faziam, sobre a toalha mais reluzente que esmalte, como ramalhetes silvestres espalhados por cima de neve. Mas Jacinto e os seus filósofos, lembrando o que o experiente Salomão ensina sobre as ruínas e amarguras do vinho, bebiam apenas em três gotas de água uma gota de bordéus Chateaubriand, 1860. Assim o recomendam Hesíodo no seu Nereu, Diocles nas suas Abelhas. E de águas havia sempre no Jasmineiro um luxo redundante — águas geladas, águas carbonatadas, águas esterilizadas, águas gasosas, águas de sais, águas minerais, outras ainda, em garrafas sérias, com tratados terapêuticos impressos no rótulo...”.

 

“ Quantas tardes eu desejei fotografar aquelas composições de excelente fantasia, antes que o trinchante as retalhasse! E esta superfinidade do comer condizia deliciosamente com a do servir. Por sobre um tapete, mais fofo e mole que o musgo da floresta da Brocelanda, deslizavam, como sombras fardadas de branco, cinco criados e um pajem preto, à maneira vistosa do século XVIII. As travessas (de prata) subiam da cozinha e da copa por dois ascensores, um para as iguarias quentes, forrado de tubos onde a água fervia; outro, mais lento, para as iguarias frias, forrado de zinco, amónia e sal, (…)”.

 

“Por isso o meu pobre amigo procurava constantemente juntar à sua vida novos interesses, novas facilidades. Dois inventores, homens de muito zelo e pesquisa, estavam encarregados, um em Inglaterra, outro na América, de lhe noticiar e de lhe fornecer todas as invenções, as mais miúdas, que concorressem a aperfeiçoar a confortabilidade do Jasmineiro.”.

 

QUEIRÓS, Eça de - Civilização. Porto:Luso Livros, 2014.

 

Beijinhos, 

 

Francisca Queiroz, Joana Rodrigues, Leonor Costa, Maria Costa

publicado às 13:09

Olá amigos, aqui vão mais alguns excertos do conto Civilização.

 

“Entre estas duas varandas rebrilhava a mesa de toilette, uma mesa enorme de vidro, toda de vidro, para a tornar impenetrável aos micróbios, e coberta de todos esses utensílios de asseio e alinho que o homem do século XIX necessita numa capital, para não desfear o conjunto sumptuário da civilização. (…) Jacinto começava... Cada um desses utensílios de aço, de marfim, de prata, impunham ao meu amigo, pela influência omnipoderosa que as coisas exercem sobre o dono (sunt tyrannioe rerum) o dever de o utilizar com aptidão (…) Começava pelo cabelo... Com uma escova chata, redonda e dura, acamava o cabelo, corredio e louro, no alto, aos lados da risca; com uma escova estreita e recurva, à maneira do alfange de um persa, ondeava o cabelo sobre a orelha; com uma escova côncava, em forma de telha, empastava o cabelo, por trás, sobre a nuca... Respirava e sorria. Depois, com uma escova de longas cerdas, fixava o bigode; com uma escova leve e flácida acurvava as sobrancelhas; com uma escova feita de penugem regularizava as pestanas. E deste modo Jacinto ficava diante do espelho, passando pêlos sobre o seu pêlo, durante catorze minutos.”.

 

“ (…) um resumo dos maquinismos monumentais da sala de banho. Ali, sobre o mármore verde e róseo do lavatório, havia apenas dois duches (quente e frio) para a cabeça; quatro jatos, graduados desde zero até cem graus; o vaporizador de perfumes; a fonte de água esterilizada (para os dentes); o repuxo para a barba; e ainda torneiras que rebrilhavam e botões de ébano que, de leve roçados, desencadeavam o marulho e o estridor de torrentes nos Alpes...”.

 

“ (…) mandou expedir, por comboios rápidos, em caixotes que transpunham a custo os portões do Jasmineiro, todos os confortos necessários a duas semanas de montanha — camas de penas, poltronas, divãs, lâmpadas de Carcel, banheiras de níquel, tubos acústicos para chamar os escudeiros, tapetes persas para amaciar os soalhos. Um dos cocheiros partiu com um cupé, uma vitória, um breque, mulas e guizos.

Depois foi o cozinheiro, com a bateria, a garrafeira, a geleira, bocais de trufas, caixas profundas de águas minerais.”.

 

QUEIRÓS, Eça de - Civilização. Porto:Luso Livros, 2014.

 

Mariana Vasconcelos, Dinis Oliveira, António Carvalho, Vitor Teles, Maria Alves

 

publicado às 13:01

Olá a todos!

Espero que esteja tudo bem convosco.

Visto que estamos a analisar a obra A Cidade e as Serras, à procura de indícios da modernização do século XIX, aqui vai o seguinte excerto.  

 

 

 "[…] a cada talher correspondiam seis garfos, e todos de feitios astuciosos. […] um era para as ostras, outro para o peixe, outro para as carnes, outro para os legumes, outro para as frutas, outro para o queijo! Simultaneamente com uma sobriedade que louvaria Salomão, só dois copos, para dois vinhos:- um Bordéus rosado em infusas de cristal, e Champagne gelando dentro de baldes de prata. […] o luxo redundante, quase assustador de águas- águas oxigenadas, águas carbonatadas, águas fosfatadas, águas esterilizadas, águas de sais, outras ainda, em garrafas bojudas, com tratados terapêuticos impressos em rótulos. "

 

 QUEIRÓS, Eça de - A Cidade e as Serras. Porto: Porto Editora, 2014.

 

Beijinhos,

                                                                                     Francisca Queiroz

publicado às 10:07

Olá meninos! Aqui está mais alguns excertos das páginas 49 e 50 do livro "A Cidade e as Serras" de Eça de Queirós  da edição de 2014 que comprovam a modernização de Portugal no séc. XIX.

 

Pág.49

Linhas 16 e 17

"(…) ela escutava diante do Grafofone, depois diante do Microfone,(…)"

Linhas 23 e 24

"Oh, o «numerador de páginas!», oh, o «colador de estampilhas!»."

Linha 31

"Afagando com o cabo da luneta o Telégrafo, (…)"

Pág. 50

Linha 2

"(…) arranjou junto do Fonógrafo, (…)"

Linha 7 e 8

"Ela parara diante da Máquina de Contar,(…)"

Linha 11

"- Prodigiosa, esta prensa elétrica! (...) "

 

QUEIRÓS, eça de - A Cidade e as Serras. Porto: Porto Editora, 2014.

Cumprimentos a todos.

Este post foi elaborado por: Maria Manuel Costa

publicado às 09:47

Olá, meninos, aqui vai o texto para a dramatização. Se quiserem, podem sugerir alterações.

Beijinhos

 

O civilizadíssimo Jacinto

Após sete anos de separação, Jacinto reencontra o seu amigo Zé Fernandes que recebe no seu requintado escritório.

(Jacinto está sentado na sua mesa a ler os jornais do dia, quando entra Zé Fernandes atrás do fiel escudeiro, que o anuncia.)

GRILO: (Alegre.) Cô licença, menino Jacinto, veja só quem acabou de chegar: o siô Fernandes!

ZÉ FERNANDES: (De braços abertos, dirigindo-se a Jacinto.) Oh Jacinto!

JACINTO: (Retribuindo o abraço.) Oh Zé Fernandes!

ZÉ FERNANDES: Sete anos!

JACINTO: Sete anos, meu caro, já deu para te convenceres que um homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado? Sete anos no campo, longe da civilização… (Com uma cara de repulsa.)

ZÉ FERNANDES: Guiães tem os seus encantos, meu amigo!

JACINTO: Oh Zé Fernandes, que horror! Acredita, não há senão a cidade! O que pode fazer um ser com faculdades superiores no campo? Toda a intelectualidade, nos campos, se esteriliza, e só resta a bestialidade.

ZÉ FERNANDES: (A rir.) Já sei, meu caro, falta-te o macadame e começas logo a imaginar víboras e lacraus a subirem-te pelas pernas acima.

(Toca o telefone. Zé Fernandes senta-se.)

JACINTO: (Para Zé Fernandes e apontando o telefone.) Permite-me. (Pega no aparelho.) Está lá? – Está lá? Olá, minha querida amiga… claro, é sempre um prazer receber a Madame d’Oriol em minha casa. Venha, venha, tenho uma surpresa para si. (Desliga. Ouve-se um tic-tic-tic…)

JACINTO: (Para Zé Fernandes) Vê aí o telégrafo… Uma tira de papel que deve estar a correr.

ZÉ FERNANDES: (Apanhando a longa tira de papel que começa a ler.) A fragata russa “Azoff” entrou em Marselha com avaria! Isto prejudica-te?

JACINTO: A avaria da “Azoff”? A mim?...Não! É mais uma notícia. Eu preciso escrever uma carta, seis linhas… Tu esperas, não, Zé Fernandes?

ZÉ FERNANDES: Sim, vou lendo os jornais de hoje. (Pega num jornal e senta-se na mesma mesa onde Jacinto começa a redigir a sua carta na máquina de escrever. Ouve-se um sussurro e Zé Fernandes levanta-se para averiguar. Percebeu que o sussurro vinha do cofre de mogno e encosta a sua orelha. Ouve uma voz.)

VOZ: E assim, pela disposição dos cubos diabólicos, eu chego a verificar os espaços hipermágicos!...

ZÉ FERNANDES: (Pulando e dando um berro.) Ó Jacinto, aqui há um homem! Está aqui um homem a falar dentro duma caixa!

JACINTO: (Calmamente.) É o Conferençofone...Exatamente como o Teatrofone; somente aplicado às escolas e às conferências. Muito cómodo!... Que diz o homem, Zé Fernandes?

ZÉ FERNANDES: (Ainda esgazeado, dirigindo-se para a mesa.) Eu sei! Cubos diabólicos, espaços mágicos, toda a sorte de horrores...

JACINTO: Ah, é o coronel Dorcas... Lições de Metafísica Positiva sobre a Quarta Dimensão... Conjeturas, uma maçada! 

ZÉ FERNANDES: (Pega num instrumento da mesa de Jacinto, pica-se e larga-o imediatamente.) Ó Jacinto, para que servem todos estes instrumentozinhos? Houve já aí um desavergonhado que me picou. Parecem perversos... São úteis?

JACINTO: Providenciais, meu filho, absolutamente providenciais, pela simplificação que dão ao trabalho! (Pega em alguns instrumentos.) Cortam papel, numeram páginas, colam estampilhas, aguçam lápis, raspam emendas, imprimem datas, derretem lacre, cintam documentos, carimbam contas!

ZÉ FERNANDES: (Irónico) Muito úteis, então…

JACINTO: Mas com efeito é uma seca... Com as molas, com os bicos, às vezes magoam, ferem... Já me sucedeu inutilizar cartas por as ter sujado com dedadas de sangue. É uma maçada!

(Entra Grilo e anuncia a Madame d’Oriol que o segue.)

GRILO: Sua Excelência, a Madame d’Oriol.

(Os dois amigos levantam-se e Jacinto beija a mão de Madame d’Oriol.)

JACINTO: Quero apresentar-lhe o meu grande amigo Zé Fernandes.

ZÉ FERNANDES: (Beijando respeitosamente a mão de Madame d’Oriol.) Encantado, é um enorme prazer conhecer a responsável pelos momentos de frescura e de paz da vida fastidiosa do meu príncipe.

ADAME D’ORIOL: Exageros, meu caro senhor, exageros. (Virando-se para Jacinto.) Era esta a surpresa que me tinha reservado?

JACINTO: Não minha querida amiga, quero mostrar-lhe algo relacionado com alguém que admira. (Dirige-se ao fonógrafo.)

MADAME D’ORIOL: O senhor e o seu fonógrafo…

JACINTO: Só o fonógrafo me faz sentir a minha superioridade de ser pensante e me separa do bicho.

MADAME D’ORIOL: (Com ironia.) Esse aparelho e os tique, tique, tique! Dlim, dlim, dlim! Craque, craque, craque! Trrre, Trrre, Trrre!... que se ouvem quando está comunicando.

JACINTO: Vá brincando, minha amiga, mas se não fossem estes avanços tecnológicos não iria poder ouvir aqui e agora o seu queridíssimo conselheiro Pinto Porto.

ZÉ FERNANDES: De verdade?!

JACINTO: Prestem, Vossas excelências, atenção. (Em pé, Jacinto, Zé Fernandes e Madame d’Oriol rodeiam o aparelho de onde começa a sair uma voz oracular e rotunda, exaltando respeito e autoridade)

VOZ DE PINTO PORTO: Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?

MADAME D’ORIOL: (Batendo palmas freneticamente.) Isto é fantástico! Fantástico!

VOZ DE PINTO PORTO: Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?

ZÉ FERNANDES: Mas ele diz sempre o mesmo?!

VOZ DE PINTO PORTO: Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?

(Jacinto com os dedos trémulos, tortura o aparelho.)

VOZ DE PINTO PORTO: Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?

MADAME D’ORIOL: (Com as mãos a tapar os ouvidos.) Por favor, faça-o calar!

VOZ DE PINTO PORTO: Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?

JACINTO: (Embocando um tubo telefónico e gritando.) Grilo!

GRILO: (Aparece a correr.) Senhor.

VOZ DE PINTO PORTO: Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?

JACINTO: Telefona a um eletricista. Isto está dar comigo em doido.

GRILO: É para já senhor. (Enterra uma almofada na boca do fonógrafo.)

MADAME D’ORIOL: Boa ideia, Grilo, abafe esse som horrível.

VOZ DE PINTO PORTO: (Um pouco rouca) Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?

ZÉ FERNANDES: Já chega! (Zangado atira com mantas para cima do fonógrafo).

VOZ DE PINTO PORTO: (Sons estrangulados, roufenhos) admirará... progressos... século!...

JACINTO: (Desesperado, com as mãos na cabeça.) Que seca, já não aguento mais isto!

GRILO: Sua Excelência sofre de fartura!

 

Texto adaptado do conto “Civilização” e da obra “A Cidade e as Serras”, de Eça de Queirós.

publicado às 09:42

Olá a todos aqui está um dos excertos do conto "Civilização".

 

“ Jacinto recolhera no fonógrafo a voz do conselheiro Pinto Porto, uma voz oracular e rotunda, no momento de exclamar com respeito, com autoridade:

— Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?

Pois, numa doce noite de S. João, o meu supercivilizado amigo, desejando que umas senhoras parentas de Pinto Porto (as amáveis Gouveias) admirassem o fonógrafo, fez romper do bocarrão do aparelho, que parece uma trompa, a conhecida voz rotunda e oracular:

— Quem não admirará os progressos deste século? Mas, inábil ou brusco, certamente desconcertou alguma mola vital — porque de repente o fonógrafo começa a redizer, sem descontinuação, interminavelmente, com uma sonoridade cada vez mais rotunda, a sentença do conselheiro:

— Quem não admirará os progressos deste século? Debalde Jacinto, pálido, com os dedos trémulos, torturava o aparelho. A exclamação recomeçava, rolava, oracular e majestosa:

— Quem não admirará os progressos deste século? Enervados, retirámos para uma sala distante, pesadamente revestida de panos de Arrás. Em vão! A voz de Pinto Porto lá estava, entre os panos de Arrás, implacável e rotunda:

— Quem não admirará os progressos deste século? Furiosos, enterrámos uma almofada na boca do fonógrafo, atirámos por cima mantas, cobertores espessos, para sufocar a voz abominável. Em vão! Sob a mordaça, sob as grossas lãs, a voz rouquejava, surda mas oracular.

— Quem não admirará os progressos deste século? As amáveis Gouveias tinham abalado, apertando desesperadamente os xales sobre a cabeça. Mesmo à cozinha, onde nos refugiámos, a voz descia, engasgada e gosmosa:

— Quem não admirará os progressos deste século?Fugimos espavoridos para a rua. Era de madrugada. Um fresco bando de raparigas, de volta das fontes, passava cantando com braçados de flores:

Todas as ervas são bentas

Em manhã de S. João...

Jacinto, respirando o ar matinal, limpava as bagas lentas do suor. Recolhemos ao Jasmineiro, com o sol já alto, já quente. Muito de manso abrimos as portas como no receio de despertar alguém. Horror! Logo da antecâmara percebemos sons estrangulados, roufenhos: «admirará... progressos... século!... » Só de tarde um eletricista pôde emudecer aquele fonógrafo horrendo.”.

 

QUEIRÓS, Eça de - Civilização. Porto:Luso Livros, 2014.

 

 

Grupo de: Iara Vieira, Carolina Ferreira, Tatiana Silva, Carolina Mendes e José Cardoso. 

publicado às 09:33


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